Um promotor federal brasileiro acusou o jornalista americano Glenn Greenwald pela suposta prática de crimes cibernéticos, é uma resposta à série de histórias publicadas no The Intercept que traziam mensagens de texto públicas de promotores, magistrados e do atual ministro da Justiça, Sergio Moro, relacionado à Operação Lava Lato, que abalou a política brasileira e manchou a imagem desse grupo de trabalho «anticorrupção».
A queixa criminal apresentada na terça-feira abriria a porta para novos procedimentos legais – diz o Intercept – e alega que Greenwald «ajudou, incentivou e guiou» pessoas que teriam acesso a chats on-line usados pelos promotores públicos. e outras pessoas envolvidas na investigação da Operação Lava Jato.
Os abusos cometidos por Sergio Moro, quando ele atuou como juiz da Operação Lava Jato, foram fundamentais para os relatórios conhecidos como «Arquivo Secreto Brasileiro».
Os artigos questionam a imparcialidade de Moro e alguns promotores que trabalharam na investigação de corrupção que levou várias figuras políticas e comerciais poderosas à prisão.
Agora, a acusação será apresentada a um juiz, que deve decidir se aprova ou rejeita o pedido de acusação.
The Intercept responde imediatamente
Após ouvir a notícia, The Intercept e Greenwald denunciam que a acusação é «um ataque à imprensa livre do Brasil», em consonância com os recentes abusos do governo do presidente da extrema-direita Jair Bolsonaro.
“O governo Bolsonaro deixou claro repetidamente que não acredita em liberdades básicas da imprensa. A denúncia criminal contra o editor e co-fundador do The Intercept, Glenn Greenwald, é o mais recente exemplo de jornalista que enfrenta sérias ameaças no Brasil ”, publicou a mídia em comunicado.
Ele também acrescenta que, da empresa, “estamos horrorizados que o Ministério Público brasileiro tenha decidido apresentar uma acusação tão flagrantemente motivada politicamente contra Greenwald, em aparente represália pelos relatórios críticos do The Intercept sobre os abusos cometidos pelo Ministro da Justiça e vários promotores federais ».
Da mesma forma, a mídia considera tudo «uma tentativa de criminalizar, não apenas nosso jornalismo, mas também o das dezenas de parceiros que colaboraram com nossa equipe em mais de 95 histórias baseadas em arquivos».
«Não há democracia sem imprensa livre, e os defensores da imprensa em todos os lugares devem estar profundamente preocupados com o último movimento autoritário de Bolsonaro», acrescenta o texto.
Greenwald se declara inocente
Por seu lado, Greenwald negou as acusações em sua declaração, citando uma investigação anterior da Polícia Federal brasileira que concluiu que ele não havia cometido nenhum crime.
«Há menos de dois meses, a Polícia Federal, ao examinar as mesmas evidências citadas pelo Ministério Público, declarou explicitamente que não apenas nunca cometera nenhum crime, como também exercia extrema cautela como jornalista para nem sequer abordar qualquer participação» no Fatos, podem ser lidos na declaração do jornalista.
Greenwald ressalta que até a Polícia Federal, sob o comando do ministro Sergio Moro, deixou bem clara sua posição: «Não fiz nada além do meu trabalho como jornalista, ética e dentro da lei».
“Não seremos intimidados por essas tentativas tirânicas de silenciar jornalistas. No momento, estou trabalhando em novos relatórios e continuarei a fazê-lo ”, afirmou o americano.
O jornalista garantiu que ele era metódico ao lidar com a fonte que lhe deu as conversas vazadas, ciente das lições que aprendeu no caso Snowden. «Tudo o que não pude fazer é dar instruções (…) Isso é cruzar uma linha. Tomei muito cuidado – declarou ele.
A acusação do promotor
O promotor federal que apresentou a queixa criminal, Wellington Divino Marques de Oliveira, que trabalha no Ministério da Justiça, mas com «independência» fiscal, argumentou que Greenwald «ajudou, incentivou e orientou diretamente o grupo criminoso, atuando como garante do grupo e obter vantagem financeira com o comportamento descrito aqui ».
Segundo o The New York Times, o promotor argumenta que Greenwald incentivou os hackers a excluir arquivos que já haviam sido compartilhados com o The Intercept, para «encobrir seus rastros».
“Greenwald se comunicou com hackers enquanto supervisionava ativamente as conversas privadas no Telegram. A denúncia acusou outras seis pessoas, incluindo quatro que foram presas no ano passado por pirataria por telefone celular”, diz um artigo do Times.
Em 2019, o juiz da Suprema Corte Gilmar Mendes emitiu uma ordem judicial que proíbe a Polícia Federal de investigar o papel de Greenwald na divulgação de mensagens piratas.
No entanto, os promotores alegaram ter cumprido essa ordem até encontrarem mensagens de áudio que supostamente envolvem Greenwald em atividades criminosas.
Em dezembro passado, o mesmo promotor acusou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de difamação por «fazer comentários depreciativos» sobre Moro. No entanto, um juiz federal negou provimento ao caso, declarando que o argumento de Oliveira não tinha uma base legal sólida.
Algumas impressões
Thiago Bottino, especialista jurídico da Universidade Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, enfatizou ao Times que os promotores não descreveram evidências para sugerir que Greenwald violou a lei. «Não há nada na acusação que prove que tenha ajudado ou guiado» os hackers, disse ele.
Ele também lembrou que a jurisprudência do Brasil oferece aos jornalistas amplas proteções. «Você não pode punir um jornalista por divulgar um documento que foi obtido por meios criminais», disse ele.
Por seu lado, Gleisi Hoffman, presidente do Partido dos Trabalhadores, considera que se trata de um claro abuso de poder. «Eles querem um estado policial, com mais farsa, ilegalidades e atos arbitrários», escreveu ele em sua conta no Twitter.
O Comitê para a Proteção de Jornalistas também rejeitou a denúncia. «Acusar jornalistas de atividades criminosas baseadas em interações com fontes envia uma mensagem assustadora para aqueles que trabalham em histórias sensíveis, em um momento em que a mídia brasileira está cada vez mais sendo atacada por funcionários de seu próprio governo», disse Natalie Southwick, responsável pelo monitoramento da liberdade de imprensa na América Latina.
Arquivo Secreto do Brasil
A operação Lava Jato processou empresas de construção renomadas e políticos brasileiros por atos de corrupção. Uma de suas ações mais polêmicas foi processar o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), que foi preso e removido do concurso eleitoral nas eleições presidenciais de 2018, apesar de liderar todas as pesquisas de opinião.
Depois disso, Bolsonaro venceu as eleições e nomeou rapidamente Moro, o juiz que condenou Lula, como Ministro da Justiça.
Após o relatório publicado por Greenwald, o Supremo Tribunal Federal libertou Lula com base em um argumento processual, uma pungente repreensão ao trabalho de Moro.
O Arquivo Secreto Brasileiro foi baseado em materiais não divulgados anteriormente e proporcionou uma visão sem precedentes da investigação anticorrupção.
Os relatórios revelaram ações de premissas fiscais apolíticas para garantir que o Partido dos Trabalhadores – de Lula – não vencesse as eleições; a colaboração proibida entre promotores e juiz Moro; e o enriquecimento pessoal de promotores, entre muitas outras divulgações publicadas em inglês e português.
Por outro lado, Bolsonaro já havia sugerido que gostaria de deportar Greenwald e ameaçou prender o jornalista por seu trabalho. Naquela época, o Intercept condenou a ameaça por meio de uma declaração e reiterou que Greenwald e outros repórteres da mídia desfrutam das proteções de imprensa gratuitas estabelecidas pela Constituição Brasileira.
Greenwald no Brasil
O americano se mudou para o Brasil em 2005, depois de conhecer David Miranda, brasileiro com quem se casou mais tarde e que se tornou congressista federal no ano passado.
Anos atrás, em 2013, o jornalista tornou-se amplamente conhecido por seu papel na publicação de documentos classificados de segurança nacional dos Estados Unidos, filtrados pelo ex-analista da Agência de Segurança Nacional daquele país, Edward Snowden.
Em 2016, foi co-fundador do The Intercept Brasil. E já em 2019, Greenwald expressou preocupação de que as autoridades possam acusá-lo criminalmente em retaliação por denúncias baseadas em mensagens vazadas. Isto foi afirmado depois de saber que as autoridades federais estavam investigando suas finanças.